Saúde Pública

Mutirão oftalmológico e o risco do oportunismo

Artigo da Dra. Wilma Lelis Barboza, publicado na Folha de S.Paulo


Em anos eleitorais, mobilizações do tipo surgem estrategicamente, mas é fundamental o respeito às regras sanitárias e aos pacientes envolvidos

Os mutirões têm o objetivo de ampliar o acesso da população a procedimentos eletivos para os quais existe uma fila de espera a ser reduzida. Segundo o Ministério da Saúde, em 2023, havia cerca de 1,1 milhão de pessoas aguardando por cirurgias desse tipo no país, sendo 167 mil por cirurgia de catarata.

Encerramos 2023 com 1 milhão de cirurgias para catarata realizadas pelo SUS. A realização desses mutirões para tal cirurgia eletiva é questionável e sua realização em condições adversas, totalmente contraindicada. Essa é a posição do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), que alerta sobre a necessidade de respeito aos parâmetros de segurança, qualidade e eficiência nas cirurgias realizadas em mutirões.

Esse diálogo alcançou também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que publicou orientações para serviços de saúde, médicos, equipes técnicas e familiares, elaboradas com a sociedade de especialidade, esclarecendo e padronizando procedimentos.

A fiscalização contínua de tais atividades, da proposição à conclusão, é determinante para que mutirões de cirurgia gerem efeitos desejados, sem expor o paciente a riscos. Esse alerta segue relevante, especialmente diante de experiências recentes em que cirurgias oftalmológicas realizadas durante mutirões causaram sequelas aos pacientes em vez de melhorar sua visão.

Foi o que aconteceu em Rondônia, em 2022, quando entre 140 cirurgias foram registrados 40 casos de infecção. No Amapá, em 2023, de 141 procedimentos, 104 apresentaram intercorrências. Nas últimas semanas, o país acompanha o drama de moradores do Rio Grande do Norte e Pará, nos quais moradores que passaram por cirurgias de catarata em mutirões contraíram infecções e precisaram retirar o globo ocular pela gravidade dos casos.

Essa tragédia resulta da ausência de cuidados durante o processo: desde a contratação das equipes e a montagem dos ambientes onde são realizadas as cirurgias até a fiscalização pelo poder público. Os gestores que promovem mutirões precisam atentar-se a critérios estabelecidos por Anvisa e CBO.

Entre os cuidados preconizados, estão locais adequados, realização de cirurgias em estruturas já ativas para esse fim, com retaguarda de referenciamento, evitando-se unidades móveis que aumentam os riscos e comprometem a qualidade do atendimento. É essencial ainda que a execução dos procedimentos esteja a cargo de oftalmologistas com Registro de Qualificação de Especialista (RQE).

Após a realização dos procedimentos cirúrgicos, é importante que os pacientes sejam acompanhados por até 30 dias, sendo obrigatória a comunicação imediata à vigilância sanitária de eventos adversos.

Em anos eleitorais, a realização de mutirões surge estrategicamente, mas é fundamental garantir que o acesso a esse tipo de serviço tenha respeito às regras sanitárias e, acima de tudo, às pessoas envolvidas.

O CBO seguirá alertando a comunidade médica e as autoridades sobre os riscos.


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