O número de pacientes na fila de espera por um transplante de córnea no Brasil quase triplicou nos últimos dez anos, passando de 10.734, em 2014, para 28.937, em junho de 2024. Os dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) foram analisados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e foram discutidos durante o 68º Congresso Brasileiro da especialidade, que aconteceu em Brasília nos dias 4 a 7 de setembro. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais lideram o ranking de espera, com cerca de 12.500 pacientes.
A pandemia de COVID-19, que impactou significativamente os procedimentos eletivos, contribuiu para o aumento expressivo em 2020 e nos anos subsequentes. O aumento mais expressivo ocorreu naquele ano, quando o número de pacientes na fila saltou de 12.212, em 2019, para 16.337, em 2020, um crescimento de 33%. Em 2022, o Brasil registrou 23.946 pessoas na lista de espera, número que continua a subir. Os dados se referem a atendimentos feitos no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas redes privada e suplementar.
“Esse crescimento se deve, em parte, à interrupção de cirurgias eletivas durante a pandemia, bem como à insuficiência de doadores para atender à demanda crescente. Além disso, ainda enfrentamos o grande desafio de melhorar a gestão dos transplantes”, destacou a presidente do CBO, Wilma Lelis.
Para mudar este cenário, explica a Wilma Lelis, é fundamental aumentar a conscientização sobre a importância da doação de órgãos e investir na infraestrutura dos bancos de olhos em todo o País. “A continuidade de campanhas educativas e a melhoria no sistema de captação e distribuição de córneas são algumas das medidas necessárias para reverter essa tendência preocupante”, disse.
Tempo de espera – 146.534 pacientes realizaram transplante de córnea/esclera no período de 2014 a junho de 2024. A estratificação geográfica, disponível até o fim de 2023, revela que a região Sudeste tem consistentemente o maior número de pacientes em lista de espera ao longo dos anos. São Paulo e Rio de Janeiro lideram o ranking. Em São Paulo, a fila teve um aumento considerável, especialmente entre 2019 (2.835) e 2023 (4.587). No Rio de Janeiro, houve um crescimento acentuado entre 2021 (2.898) e 2023 (4.274), ou seja, um crescimento de quase 50% em apenas dois anos.
O Rio Grande do Sul e Pernambuco também mostraram um avanço rápido no número de pacientes. O primeiro, por exemplo, passou de 52 pacientes, em 2014, para 1.299, em 2023, enquanto o segundo passou de 86 para 1.272, no mesmo período. Já no Ceará e Amazonas a lista de espera apresentou queda acentuada de 67% e 77%, respectivamente. Amapá e Roraima não apresentaram dados durante o período analisado.
Quando se avalia o tempo de espera para realização dos transplantes, a média de espera em nível nacional fica em 194 dias (pouco mais de seis meses). Dentre os 26 estados e o Distrito Federal, os que apresentam os índices mais altos são Maranhão (595 dias) e Pará (594 dias), em torno de 19 meses. No extremo oposto, Ceará, com 63 dias de espera, Paraná (com 119) e Pernambuco, com 121, são os estados com melhor desempenho.
De qualquer modo, o modelo vigente tem levado a distorções na assistência, como a existência de filas onde pacientes levam anos para serem atendidos. Há casos pontuais de pacientes que aguardaram 190 meses, ou seja, 16 anos para realizar uma cirurgia de transplante de córnea, como aconteceu no Rio Janeiro. Também há situações que chamam a atenção no Ceará (159 meses), Pará (152 meses), Minas Gerais (129 meses) e Goiás (94 meses).
Capacidade – Segundo estima do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), para zerar a atual fila de espera, seria necessário praticamente dobrar a capacidade anual de transplantes realizados. Note-se que no período de 2014 a junho de 2024 foram realizados 146.534 transplantes de córnea/esclera no País. Desse total, 51.945 procedimentos aconteceram em São Paulo (35,5%).
No ano passado, o País registrou 16.027 procedimentos, um aumento significativo em relação aos anos anteriores, mas ainda insuficiente para atender à crescente demanda. Em 2024, até junho, já se registrava um total de 8.218 transplantes de córneas e escleras realizados em todos os estados, sendo que quase três mil deles em São Paulo.
Para dar conta da demanda, o Brasil conta com 651 equipes treinadas para realizar transplantes de córnea, que se distribuem por 429 serviços habilitados. Alguns deles, se destacam pelo maior número de especialistas preparados. Sãos os casos do Hospital de Olhos Capixaba, no Espírito Santo, e do Centro Oftalmológico de Minas Gerais, que possuem 14 equipes, cada um.
Todos os estados brasileiros contam com times preparados para execução desse procedimento, porém a maioria dos especialistas estão no Sudeste e Sul. Em São Paulo, estão 210 equipes transplantadoras de córnea. Na sequência, vêm Minas Gerais (72), Rio de Janeiro (65) e Espírito Santo (31). Fora desse eixo, surgem como destaques: Paraná (30), Rio Grande do Sul (28) e Santa Catarina (24).
Demanda - Contudo, apesar da capacidade operacional instalada e dos números crescentes no volume de transplantes, não tem sido possível absorver com rapidez a demanda crescente. "Os números mostram um aumento significativo na fila de espera em comparação com os transplantes realizados, o que torna o aumento da capacidade de realização de transplantes não apenas necessário, mas urgente", afirma a presidente do CBO. "Além disso, é fundamental assegurar uma distribuição equitativa desses recursos, especialmente nas regiões onde a infraestrutura de saúde ocular é menos desenvolvida.
Segundo Wilma Lelis, durante a pandemia, muitos hospitais reduziram ou suspenderam procedimentos eletivos, incluindo transplantes, para liberar recursos e leitos para pacientes com COVID-19. Isso resultou em uma queda acentuada no número de transplantes realizados em 2020. “Com menos transplantes sendo realizados, os pacientes continuaram a se acumular na fila de espera. Além disso, alguns novos casos continuaram a surgir, agravando ainda mais a situação”, ponderou.
Para ela, a situação atual requer ações coordenadas entre o governo e as organizações de saúde para expandir e otimizar os serviços de transplante de córnea no Brasil. “Com um esforço conjunto, é possível não apenas eliminar a fila de espera, mas também estabelecer um sistema de saúde mais eficaz e acessível para todos”, disse.
Performance - Pelos dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, a realização de transplantes de córnea apresenta números mais consistentes nos estados do Sul e do Sudeste. Os destaques recaem nas áreas com maiores quantidades de equipes e de serviços habilitados para a realização dos procedimentos. Entre eles, estão: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em 2024, fora desse eixo, percebe-se uma performance que chama a atenção no Ceará, Pernambuco, Bahia, Pará e Goiás.
Para a presidente do CBO, o aumento significativo dos transplantes em estados do Nordeste, por exemplo, mostra a importância de implementação de políticas públicas que visem o treinamento de equipes locais para a realização de procedimentos, com total segurança e qualidade. “Com isso, ganha o País, pela distribuição homogenia de seus serviços de saúde de alta complexidade pelo território, e, sobretudo, os pacientes que passam a contar com profissionais capacitados próximos de seus locais de residência, o que se torna um facilitador em seus tratamentos”, arrematou Wilma Lelis.
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